sábado, 22 de dezembro de 2012

Da Proteção Jurídica à pessoa

1. CRIMES CONTRA A PESSOA

O Código Criminal do Império de 1824 ao inaugurar o seu texto legal, trouxe como centro de seu interesse jurídico a proteção ao Estado e seus respectivos princípios. Em sua parte especial o Código Criminal do Império tratava inicialmente dos crimes contra o estado e por ultimo normatizava os crimes contra a pessoa. Não diferente, o Código Penal Republicano de 1890 seguiu a mesma orientação, enfatizando a superioridade do Estado sobre a pessoa.
No entanto essa escala valorativa do Direito Penal foi rompida durante o estado Novo, em 1937, quando Alcântara Machado apresentou um projeto de código criminal brasileiro, aprovado em 1940, dando ênfase ao ser humano como o epicentro da norma penal, destacando-o como o bem maior a ser tutelado pelo Direito Penal. Iniciando com o tratamento aos crimes contra a pessoa e encerrado a sua Parte Especial com os crimes cometidos contra o Estado.
Todo esse “reboliço” histórico se deu, óbvio, devido ao longo processo neoconstitucionalista que abriu espaço para a importância do homem e seu bem estar social. Trazendo princípios fundamentais ao ordenamento jurídico brasileiro; principio da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e etc. Influenciando, não apenas por apelo cientifico - jurídico, mas também por exigência social, valendo-se no Direito Penal o principio da adequação social. Sendo o Direito Penal um instituto normativo de caráter valorativo, ou seja, que estabelece a sua própria escala de valores, ou melhor, de bens jurídicos que deverão ser tutelados pela norma preventiva, sancionadora e finalista. Quando os outros ramos do Direito são insuficientes ou falhos na tutela desses bens jurídicos, pois o Direito Penal protege os bens mais primordiais e importantes da sociedade, entre os quais estar a pessoa em sua integridade física, como o bem mais importante do Direito Criminal brasileiro.
Esse poder protetivo do individuo, estar discorrido nas normas da Parte Especial do Direito Penal, em especifico no rol dos crimes contra a pessoa, que inclui condutas tipificadas, como; homicídio, induzimento ou auxilio a suicídio, infanticídio, aborto, lesão corporal, perigo de contagio venéreo, perigo de contágio de moléstia grave e etc.


2. CONCEITO DE LESÃO CORPORAL
O Código Criminal do Império punia as perturbações a integridade física, atribuindo ao crime o nomen iuris “ferimentos e outras ofensas físicas”. O Código republicano de 1890, por sua vez, definiu ao crime o nomen iuris lesões corporais (art. 303) e punia as ofensas físicas com ou sem derramamento de sangue, incluindo no tipo penal a dor.
Com o atual Código Penal a definição do crime de lesão corporal perde a dor em seu tipo penal, criminalizando a “ofensa a integridade corporal ou à saúde de outrem”, redação prevista no art. 129 do Código Penal brasileiro. Segundo Damásio de Jesus (1999, p. 155), “o estatuto penal protege nessa incriminação a integridade física e fisiopsíquica da pessoa humana”.
Porém a definição de Lesão Corporal não deve se exaurir no dispositivo de lei, mas buscar fundamentação na doutrina jurídica, com posições hermenêuticas e analise critica - social. Evidenciando a insuficiência do texto legal em tal função de contextualização da definição de lesão corporal.
Portanto,
Lesão corporal consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, sem animus necandi, a integridade física ou a saúde de outrem. Ela abrange qualquer ofensa a normalidade funcional do organismo humano, tanto do ponto de vista anatômico quanto do fisiológico ou psíquico. Na verdade, é impossível uma perturbação mental sem um dano à saúde, ou um dano à saúde sem uma ofensa corpórea. O objeto da proteção legal é a integridade física e a saúde do ser humano. (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, p.158, 2008)
Levando em conta todos os elementos que constitui esse tipo penal, pondera-se que lesão corporal é a ofensa de natureza dolosa, culposa ou preterdolosa, sem o consentimento do ofendido (direito disponível), que cause dano relevante a integridade física e a saúde de outrem.
2.1 A disponibilidade do bem jurídico tutelado
O bem jurídico penalmente tutelado é a integridade corporal e a saúde humana, isto é, a incolumidade do individuo. Trata-se de um bem jurídico individual, portanto é um interesse privado que, teoricamente, se sobrepõem ao interesse do Estado. Assim, é admissível a disponibilidade da integridade física.
A ofensa física ou psíquica, pode ser admitida com o livre consentimento do ofendido, levando-se em consideração que trata-se de um bem jurídico individual, ou seja, convém ao individuo considerá-lo ofensivo . Afastando a ilicitude e a antijuricidade. Como ocorre nos transplantes de órgãos.
Portanto,
Simpatizando com a disponibilidade da integridade corporal, sustentava que o consentimento do ofendido, validamente obtido, exclui a ilicitude e que é com base nesse consentimento que se afasta a antijuricidade da extração de órgãos de pessoas vivas para transplantes. (HELENO CLAUDIO FRAGOSO, 1995, p.92)

3. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A ADEQUAÇÃO TÍPICA DA LESÃO CORPORAL

O crime de lesão corporal apresenta três figuras típicas: fundamental, privilegiada e qualificada. Incluindo no rol de figuras típicas um caso de perdão judicial.
Consistindo a conduta típica da lesão corporal em ofender, agredir, lesar e ferir a integridade corporal ou a saúde do individuo. O agredido ou lesado pode sofrer alterações em suas funções anatômicas, fisiológicas ou psíquicas. Não compreendendo para o tipo penal a lesão corporal leve que não enseje em maiores conseqüências para o ofendido, seja ela de ordem física ou psíquica, levando-se em conta o principio da insignificância. Já que a simples perturbação de animo, ou mesmo, o simples dano moral não vem a ser caracterizado pelo injusto típico como lesão corporal. Muito menos uma simples dor física ou crise nervosa, sem que cause danos a funcionalidade ou anatomia do ofendido, pode ser caracterizado como lesão corporal.
Portanto, a lesão corporal compreende a danos de natureza significativa a integridade física ou a saúde de outrem, sem animus necandi. Tendo como elemento objetivo da adequação típica a ofensa a saúde corporal ou psíquica da pessoa.
No aspecto subjetivo-normativo o crime de lesão corporal pode ser dolosa, culposa ou preterdolosa. Assim como pode ser o resultado de uma ação ou omissão.
A subjetividade do dolo, segundo Cezar Roberto Bitencourt (2008, p.162) “consiste na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou saúde de outrem”. Presente no art. 129, caput, do Código Penal. Já a subjetividade da culpa é definida nos §§ 6º e 7º do Código Penal. Ambos assim definidos:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
(...)
§ 6º Se a lesão é culposa:
Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.
§ 7º Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º.
Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 162),
O elemento subjetivo do crime de lesões corporais é representado pelo dolo, que consiste na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou a saúde de outrem. É insuficiente que a ação causal seja voluntaria, pois no próprio crime culposo, de regra, ação também é voluntaria. É necessário, com efeito, o animus laedendi.
O Código Penal ao tipificar a lesão corporal seguida de morte, admitiu a figura subjetiva do crime preterdoloso, qualificado no art. 129, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal. Esclarece Damásio de Jesus (1999, p. 156), que “nesses casos, o delito fundamental é punido a titulo de dolo, enquanto o resultado do qualificador, a título de culpa.”
Portanto,
Indiscutivelmente, o dolo pode ser direto ou eventual: particularmente, esta modalidade de infração penal é uma das poucas que admitem a possibilidade da terceira modalidade, qual seja, o preterdolo, em determinadas figuras qualificadas: a ofensa a integridade física é punida a titulo de dolo, e o resultado qualificador, a titulo de culpa. (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 2008, p. 163)

4. A AUTOLESÃO E O TRATAMENTO DADO PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

O Código Penal não admite como crime o individuo que ofende a própria integridade física. A autolesão não tipifica o crime de lesão corporal. Em casos excepcionais poderá constituir uma elementar de uma figura de crime.
Sobre a autolesão leciona-se,
O CP não pune a autolesão. Não constitui delito o fato de o sujeito ofender a própria integridade corporal ou a saúde. Excepcionalmente, a conduta poderá constituir outra infração penal. Se o sujeito lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro, responde por subtipo de estelionato, denominado fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro (CP, art. 171, § 2º, V). Neste caso, o estatuto penal não está punindo a autolesão como delito autônomo, mas sim como meio de execução de crime de estelionato, em que o objeto jurídico não é a incolumidade física da pessoa, mas o patrimônio. Se o sujeito cria ou simula incapacidade física, que o inabilite para o serviço militar, responde pelo crime do art. 184 do CPM (criação ou simulação de incapacidade física). O código não está punindo a autolesão, mas aplicando sanção ao sujeito que se vale desse meio de execução para praticar crime contra o serviço e o dever militar. (DAMÁSIO DE JESUS, 1999, p. 154)

5. A COMPETENCIA PARA CONHECER E JULGAR OS CRIMES DE LESOES CORPORAIS E A NATUREZA JURIDICA DA AÇÃO PENAL

Em razão do art. 88 da Lei n°. 9.099/95, os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, são de ação penal publica condicionada. Sendo o crime de lesões corporais com pena fixada entre três meses e três anos de detenção, exclui a competência dos Juizados Especiais Criminais para julgar o injusto penal.



Lucas Cano