sexta-feira, 13 de maio de 2011

Proteção contratual


1. Considerações preliminares


Antes de iniciarmos nossos estudos sobre a proteção contratual no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990), faz-se necessário terce considerações sobre o conceito de contrato para o direito.

Como a natureza jurídica de todo contrato passa pelos pressupostos de validade do negocio jurídico (art. 104 do Código Civil de 2002), existe uma semelhança entre o conceito do gênero (negocio jurídico) e espécie (contrato). Portanto, é o contrato um negocio jurídico por meio do qual os contraentes auto-disciplinam os efeitos jurídicos e patrimoniais das clausulas, gerando, assim, um vinculo obrigacional de dar, fazer ou não fazer alguma coisa.

Porém o negocio jurídico passa por um processo, ou melhor, por pressupostos de existência e validade, sem os quais não há do que se falar em contrato.
Os pressupostos de existência ou os elementos constitutivos de todo negócio jurídico são: declaração ou manifestação de vontade, agente emissor de vontade, objeto e forma. Em seguida passa, o negocio jurídico, pelos pressupostos de validade: manifestação da vontade livre ou consciente e de boa fé, agente emissor capaz e legitimado para o negocio jurídico, objeto licito e determinado e forma adequada (livre ou prescrita legalmente).

Conveniente se faz, com relevância no procedimento de existência, validade e eficácia do negocio jurídico, uma conceituação de contrato; portanto, contrato como espécie de negocio jurídico, é a declaração ou manifestação de vontade livre e de boa fé, por meio do qual os agentes emissores capazes e legitimados, determinam prestações obrigacionais (objeto licito) a serem cumpridas entre os contraentes.


1.2 Constitucionalização do conceito de contrato


Iniciou no século XX, na Europa, e na década de 30, no Brasil, um processo de descentralização do Direito Civil, fazendo deslocar o eixo centralizador das normas civilistas para leis especiais e estatutos autônomos. Como conseqüência da constitucionalização do ordenamento jurídico brasileiro, reforçando todos os ramos do direito com princípios constitucionais proveniente dos direitos fundamentais do homem social.

Portanto,
A descodificação do Direito Civil foi o deslocamento do centro gravitacional do direito privado, o Código Civil, antes um corpo monolítico e monossistemantico, para estatutos autônomos. Perdendo o Código Civil influencia normativa (polissistema) caracterizado por um conjunto de normas tidas como centros gravitacionais autônomos, chamado de microssistema. (GUSTAVO TEPEDINO, p.5)

Como uma das conseqüências desse movimento foi à destituição de alguns princípios, e outros de cunho constitucional os substituíram. Trazendo mais humanização as relações jurídicas.

À vontade, perde sua conotação absoluta e é limitada por normas de ordem publica.

A igualdade formal da lugar aos princípios de igualdade material e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da Constituição Federal), mudando a forma de interpretação dos contratos. Com o objetivo de evitar a exploração do declarante hipossuficiente, já que a doutrina sensibilizou-se para a notável situação de desigualdade entre os agentes emissores de vontade. Consagrou como cláusula implícita nos contratos a boa fé objetiva. Limitando o princípio da autonomia da vontade.

O nosso atual Código de Defesa do Consumidor sofre forte influência dos princípios provenientes da constitucionalização do ordenamento jurídico, e por assim dizer da decodificação do Direito Civil, já que, é nesse que se encontram as definições de negócio jurídico. Ou seja, princípios como função social do contrato, boa-fé objetiva e equivalência material, resultantes da redistribuição dos princípios constitucionais, ganham forca normativa no contrato consumerista. Além dos princípios clássicos; força obrigatória, autonomia da vontade, consensualismo, relatividade subjetiva dos efeitos dos contratos e a boa-fé subjetiva (não adotada pelo CDC).

Assim, conceitua-se precisamente,
O contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé, auto-disciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades. (PABLO STOLZE, 2005, p.11)


2. Contrato de consumo


Os contratos de consumo são, em sua maioria, contratos de adesão, ou seja, trata-se de um contrato em que um dos contraentes impõe ao outro o conteúdo do contrato (oferta), restando a esse ultimo aderir (aceitação). Caracterizado por sua uniformidade, pré-elaboração unilateral e imposição.

A definição de contrato de adesão é complexa devido as suas peculiaridades, costuma-se descrevê-lo por suas características.

Portanto,
O conceito de contrato de adesão torna-se difícil em razão da controvérsia persistente acerca do seu traço distinto. Há, pelo menos, seis modos de caracterizá-lo. Distinguir-se-ia, segundo alguns, por ser oferta a uma coletividade, segundo outros, por ser obra exclusiva de uma das partes, por ter regulamentação complexa, porque preponderante a posição de uma das partes, ou não admitir a discussão a proposta, havendo quem o explique como o instrumento próprio da prestação dos serviços privados de utilidade publica.
A discrepância na determinação do elemento característico do contrato de adesão revela que a preocupação da maioria dos escritores não consiste verdadeiramente em apontar um traço que permita reconhecê-lo. Predomina o interesse de descrevê-lo ou de explicá-lo antes que o de ensinar o modo de identificá-lo, como ocorre, por exemplo, com os que procuram caracterizá-lo pela circunstancia de ter regulamentação complexa. É certo que o contrato de adesão é praticável quando os interesses em jogo permitem, e ate impõem, a pluralidade de situações uniformes, de modo que, sob esse aspecto, é, com efeito, oferta feita a uma coletividade. A necessidade de uniformizar as cláusulas do negocio jurídico elimina a possibilidade de qualquer discussão da proposta, criando para o oblato o dilema de aceita-lo em bloco ou rejeitá-lo. Nada disso o distingue porquanto tais características são comuns a outras figuras jurídicas.
O traço característico do contrato de adesão reside verdadeiramente na possibilidade de predeterminação do conteúdo da relação negocial pelo sujeito de direito que faz a oferta ao publico.
(ORLANDO GOMES, 2001, p.117)


2.1 Formações dos contratos


Como os contratos em geral, o contrato de consumo passa por fases essenciais a formação dos contratos, inclusive os de adesão, consistindo na fase de puntuação (negociações preliminares), fase da proposta de contratar e a fase de aceitação do contrato.

A fase de puntuação consiste no momento de negociação, discussão, ponderação e estudo das clausulas de condições dos contratos que serão introduzidas em sua forma, levando em consideração o direito subjetivo das partes, alem de princípios, que mesmo durante a fase preliminar do contrato se encontra presente, como a boa-fé objetiva, a fim de realização do contrato. Assim esclarece Pablo Stolze Gagliano (2005, p.96) “a promessa de contrato, também denominada pré-contrato ou contrato preliminar, é aquele negocio jurídico que tem por objeto a obrigação de fazer um contrato definitivo”.

A proposta de contratar, a fase mais sujeita a indagações e estudos no Código de Defesa do Consumidor, por se tratar da fase mais importante das relações comerciais de consumo, no que toca ao contrato de adesão figura comum na relação de consumo. Basicamente trata-se da oferta de contratar que uma das partes faz a outra, com objetivo de forma um negocio jurídico. Caracterizada como negocio jurídico unilateral, trazendo em seu conceito o principio da vinculação ou da obrigatoriedade, por obrigar o proponente ou policitante, não podendo este voltar atrás, ressalvadas apenas as exceções dos arts. 427 e 428, do Código Civil de 2002, nos seguintes termos:

“Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrario não resultar dos termos dela, da natureza do negocio, ou das circunstancias do caso.
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I – se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante;
II – se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar à resposta ao conhecimento do proponente;
III – se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado;
IV – se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente”.

Analisando o art. 427, podemos concluir que a perda da eficácia da proposta pode ocorrer nas seguintes situações:

a) Se o contrario, a não obrigatoriedade, resultar dos termos dela mesma – essa possibilidade não existira nas propostas feitas ao consumidor (Lei nº 8.070/90 CDC)
b) Se o contrario, a não-obrigatoriedade, resultar da natureza do negocio – como ocorre nas ofertas ao publico, que são limitadas ao estoque existentes.
c) Se o contrario, não-obrigatoriedade, resultar das circunstancias do caso – dando ao juiz a liberdade, com base no principio da razoabilidade, de considerar a oferta obrigatória (principio do inquisitivo).

Nas relações de consumo a ausência de manifestação de vontade, não gera obrigatoriedade para nenhuma das partes, uma vez que a Lei nº 8.078/90 rompeu com o principio do pacta sunt servanda (o pacto deve ser cumprido). Esse desmembramento do principio do pacta sunt servanda, deu-se devido ao movimento anteriormente citado, fazendo que CDC rompe-se com a tradição privatista. Em virtude dos abusos econômicos sofridos pelo consumidor, que com razão corresponde à parte hipossuficiente e vulnerável da relação jurídica.

Portanto,
Ao reconhecer que em matéria de relação de consumo vige a regra da oferta que vincula e os contratos são elaborados unilateralmente (contratos de adesão) ou nem sequer são apresentados (verbais, comportamento socialmente típico, clausulas gerais), estabelece que não vige a regra milenar representada no brocardo latino. Esta, claro, continua a ter validade para as relações da orbita privada, mas em aplicação nas relações de consumo, mesmo quando for elaborada clausula contratual negociada em separado. É verdade que neste caso ela deve prevalecer sobre as clausulas pré-elaboradas, mas, ainda assim, como se verá, recebe influencia dos demais princípios fixados na Lei n. 8.078. (RIZZATTO NUNES, 2010, p. 651)

Por fim a aceitação, que é a aquiescência da proposta. Como nos ensina Pablo Stolze Gagliano (2005, p.104) que a aceitação “trata-se da manifestação de vontade concordante do aceitante ou oblato que adere a proposta que lhe fora apresentada”.

A aquiescência da proposta pode se da de forma expressa ou prescrita em lei e de forma tácita em casos especiais.

Ademais, tornando efetiva a tutela ou aceitação do consumidor, o art. 35, do CDC, preceitua que, se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento a oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e a sua escolha:

a) Exigir o cumprimento forcado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
b) Aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
c) Rescindir o contrato, com direito a restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos;


2.1 Princípios do Código de Defesa do Consumidor


São fundamentais para a interpretação das clausulas do contrato de consumo. Além dos princípios gerais de interpretação dos contratos, como o principio da função social, da boa-fé, da força obrigatória, consensualismo e etc.
Porém, os mais importantes para a interpretação dos contratos em geral, e também o contrato de consumo, são os princípios da boa-fé objetiva e da conservação.


2.1.1 Princípio da conservação


Pelo princípio da conservação, quando o contrato tiver ambigüidades ou contradição deve-se preferir a interpretação coerente com o contrato, mantendo-o vivo.
Ocorre quando as partes celebram um negocio jurídico invalido, mas que por força do principio da conservação, pode ser convertido em outra categoria de negocio, se contiver pressupostos de validade deste ultimo. Por exemplo, no contrato de compra e venda as partes não observam a forma publica exigida para o contrato, esse, portanto, poderá se converter em promessa de compra e venda.
Como refuta Rizzato Nunes (2010, p.652), “a lei quer modificar e rever as cláusulas, mas manter o contrato em vigência”
Esse princípio, de extrema importância, estar implícito no art.6º, inciso V e explicito no art.51, § 2º do CDC.

2.1.1.1 Modificação das cláusulas contratuais e o Direito de revisão

A modificação das clausulas do contrato e o direito de revisá-las são direitos personalíssimos, por simplesmente ser direcionada a pessoa do consumidor em uma relação jurídica.

As clausulas serão modificados quando estabelecerem prestações desporpocionais, considerando que o consumidor é a arte hipossuficiente e vulnerável dentro da relação de consumo (art. 4º, inc. I, do CDC), além dos princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio material (art. 4º, inc. III, do CDC). Todos esses princípios decorrem da necessidade da aplicação do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, da CF). Tais princípios garantem a revisão, devido a fatos supervenientes, e a modificação das clausulas do contrato quando esta se mostrar abusiva, para a parte hipossuficiente, que em regra é o consumidor.

As clausulas consideradas abusivas dentro do contrato de consumo deverão ser modificadas, como prescreve o art. 6º, inciso V, do CDC:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
V – a modificação das clausulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Também enfatizado pelo art. 51, inciso IV (e §1º), do CDC. Esclarecendo:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as clausulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé e a equidade.
Pode-se perceber que os artigos 6º e 51 do Código de Defesa do Consumidor, têm em seu texto normativo princípios essenciais para a interpretação do contrato de consumo; como o principio da boa-fé, da equidade e da conservação.
Porém deve-se considerar que as clausulas consideradas abusivas e nulas de pleno direito, não extinguem o contrato, em razão do principio da conservação do contrato (art. 6º inc. V e art. 51 §2º, CDC). Coube ao magistrado, por meio de uma interpretação constitutiva, analisar as clausulas do contrato proporcionando uma interação entre elas, a fim de sanar as lacunas e as nulidades provenientes de clausulas abusivas. Ressalta-se que as clausulas não serão consideradas abusivas apenas a titulo de onerosidade.

Portanto,
O principio do inciso V do art. 6º volta como norma de declaração de nulidade da clausula desproporcional no art. 51 (inciso IV e §1º), mas a nulidade não significa que o contrato será extinto. Como o inciso V garante a modificação, pelo principio da conservação do contrato, o magistrado que reconhecer a nulidade deve fazer a integração das demais cláusulas e do sentido estabelecido no contrato, em função de seu objeto, n esforço de mantê-lo em vigor. (RIZZATTO NUNES, 2010, p. 653)
O direito de revisão, que também encontra fonte nos princípios da boa-fé e equilíbrio, vulnerabilidade do consumidor, decorrentes dos princípios constitucional da isonomia e da igualdade, não se trata de uma clausula rebus sic stantibus, pois a revisão contratual devido a fatos supervenientes não se preocupa se as partes poderiam prevê ou sabiam, na época do negocio jurídico, o acontecimento de fatos futuros. Ou seja, independentemente das partes presumirem ou não acontecimentos futuros, ou mesmo que elas tenham consciência dos acontecimentos, o direito de revisão não se exauri na mera previsão desses acontecimentos, pois mesmo que se saiba ou tenha ignorância sobre esses fatos posteriores o consumidor pode reivindicar do direito de revisar as clausulas do contrato de consumo, a fim de assegurar os princípios anteriormente citados, e por assim presumir, da segurança jurídica ao contrato.

Aliás,
A teoria da imprevisão, construída a partir da revivescência da vetusta clausula rebus sic stantibus do direito canônico, é invocada quando um acontecimento superveniente e imprevisível torna excessivamente onerosa a prestação imposta a uma das partes, em face da outra que, em geral, se enriquece a sua custa ilicitamente. (PABLO STOLZE GAGLIANO, 2005, p. 45)
Portanto, a teoria da imprevisão resultante da clausula rebus sic stantibus, é inadequada as considerações do direito de revisão ou modificação das clausulas do contrato de consumo. E adequado admitir que o exercício do direito de revisão ou modificação das clausulas contratuais advêm, não da teoria da imprevisão, mas da teoria da onerosidade excessiva.

2.1.2 Princípio da boa-fé

Todo negocio jurídico tem como fundamental pressuposto de validade, a boa-fé dos contraentes, já que se faz necessário a manifestação livre ou consciente e de boa-fé para que o contrato seja valido e tenha eficácia. Por isso considero não só como principio, mas também como uma clausula geral de todo e qualquer negocio jurídico, pois sem a boa-fé dos contraentes o contrato perde sua validade e não produz os efeitos desejados.

Portanto,
No sistema brasileiro que regula as relações de consumo o legislador optou explicitamente pelo principio da boa-fé. É verdade que o fez em dois pontos não muito próprios: o primeiro no capitulo da política nacional de relações de consumo (art.4º, III) e o segundo na seção das clausulas abusivas (art.51, IV), quando o mais adequado seria estabelecer o principio expressamente como clausula geral. Tal principio poderia, por exemplo, figurar da Seção I (“Disposições Gerais”) do Capitulo VI (“Da proteção Contratual”). (RIZZATTO NUNES, 2010, p.654)
A boa-fé aparece no art. 4º, inc. III, do CDC, como principio, e deve ser interpretada como clausula geral dos contratos de consumo no art. 51, inc. IV, do CDC. Pois na observância do art. 51 pode-se ter base para as demais clausulas do contrato. A fim de garantir os princípios constitucionais do art. 170 da Constituição Federal.

2.1.2.1 Boa-fé objetiva e subjetiva

O atual Código de Defesa do Consumidor incorporou ao seu texto legal o principio da boa-fé objetiva, atuando como principio e clausula geral para as demais clausulas do contrato de consumo.

A boa-fé objetiva é o comportamento de cada um dos contraentes, que devera estar de acordo com os parâmetros do “homem médio”, e de acordo com os valores e bons costumes locais. Observando as condutas dos agentes emissores de vontade, procurando avaliar a lealdade, honestidade e probidade da conduta.

Nesse diapasão, faz-se necessário observar que a boa-fé objetiva não cumpre apenas função interpretativa, mas também a função criadora de deveres jurídicos anexos ou de proteção e a função delimitadora do exercício de direitos subjetivos. Por esta razão devemos observa esse principio como o basilar de todas as clausulas em um contrato de consumo.

Já a boa-fé subjetiva é a conduta de cada um dos contraentes, a fim de verificar se o mesmo conhecia ou não as circunstancias viciadoras no contrato. Trata-se de uma analise um tanto psicológica da conduta dos contraentes.

Segundo Pablo Stolze Gagliano (2005, p.73), a boa-fé subjetiva “consiste em uma situação psicológica, um estado de animo ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou vivencia dada situação, sem ter ciência do vicio que a inquina”.
Interpreta-se o contrato de consumo com base no principio da boa-fé objetiva, a fim de saber se as partes estão agindo com lealdade, honestidade e probidade dentro do contrato.

2.1.3 Princípio da equivalência material

Este princípio, que é previsto no art.4º, inc. III, do CDC, trata de uma situação em que os contraentes devem estar no momento da realização do contrato. Ou seja, os contraentes devem estar em um equilíbrio real de direitos e deveres antes, durante e após a execução do contrato. Para que haja uma equidade e um equilíbrio contratual entre as partes.

2.1.4 Princípio da igualdade

Todos são iguais perante a lei, sem nenhuma distinção. Este iniciar ao estudo a igualdade nos remete ao texto constitucional como um princípio fundamental de primeira dimensão, que é o art. 5º, caput, da Constituição Federal. Sendo de primordial importância a observância deste princípio em uma relação de consumo.
O princípio da igualdade nas contratações estar presente no art.6º, inc. II, do CDC.
Trata, basicamente, do dever e obrigação do fornecedor prestar serviços a todos os consumidores de forma igualitária, sem fazer nenhuma distinção entre eles. Caso contrário, o contrato se torna nulo, por inobservância de um preceito constitucional.

2.1.5 Protecionismo

A Carta Magna, em seu art.5º, inc. XXXII e art. 170, inc. V, protege o consumidor, considerando-o como a parte impossuficiente e vulnerável da relação contratual. Essa função é um dos princípios gerais da atividade econômica, e impõe ao Estado o dever de proteger o consumidor.

2.1.6 Deveres e obrigações do fornecedor

É dever do fornecedor, respeitar a todos os princípios que regem a formação e interpretação dos contratos de consumo. Incluindo o dever de informar (art.6º, inc. III e o art. 31, do CDC), dever de cooperação com o consumidor (art.3º, inc. I, do CDC) e o dever de cuidar do consumidor.
Esses deveres do fornecedor devem ser exigidos por parte da União, fiscalizando e punindo os abusos sofridos pelos consumidores, pois como um dos objetivos da União é a defesa do consumidor, como princípio de ação política, expresso no art. 170 da Constituição Federal, convém ao Estado intervir como agente normativo e regulador nas relações de consumo.

Bibliografia

TEPEDINO, Gustavo. A Nova Propriedade (o seu conteúdo mínimo, entre o Código Civil, a legislação ordinária e a Constituição).
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Atlas, 2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze & FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil (Contratos). São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
GAGLIANO, Pablo Stolze & FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil (Parte Geral). São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva, 2010.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001.

Lucas Cano

Crimes contra a pessoa - Lesão corporal


1. CRIMES CONTRA A PESSOA


O Código Criminal do Império de 1824 ao inaugurar o seu texto legal, trouxe como centro de seu interesse jurídico a proteção ao Estado e seus respectivos princípios. Em sua parte especial o Código Criminal do Império tratava inicialmente dos crimes contra o estado e por ultimo normatizava os crimes contra a pessoa. Não diferente, o Código Penal Republicano de 1890 seguiu a mesma orientação, enfatizando a superioridade do Estado sobre a pessoa.

No entanto essa escala valorativa do Direito Penal foi rompida durante o estado Novo, em 1937, quando Alcântara Machado apresentou um projeto de código criminal brasileiro, aprovado em 1940, dando ênfase ao ser humano como o epicentro da norma penal, destacando-o como o bem maior a ser tutelado pelo Direito Penal. Iniciando com o tratamento aos crimes contra a pessoa e encerrado a sua Parte Especial com os crimes cometidos contra o Estado.

Todo esse “reboliço” histórico se deu, óbvio, devido ao longo processo neoconstitucionalista que abriu espaço para a importância do homem e seu bem estar social. Trazendo princípios fundamentais ao ordenamento jurídico brasileiro; principio da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e etc.
Influenciando, não apenas por apelo cientifico - jurídico, mas também por exigência social, valendo-se no Direito Penal o principio da adequação social. Sendo o Direito Penal um instituto normativo de caráter valorativo, ou seja, que estabelece a sua própria escala de valores, ou melhor, de bens jurídicos que deverão ser tutelados pela norma preventiva, sancionadora e finalista. Quando os outros ramos do Direito são insuficientes ou falhos na tutela desses bens jurídicos, pois o Direito Penal protege os bens mais primordiais e importantes da sociedade, entre os quais estar a pessoa em sua integridade física, como o bem mais importante do Direito Criminal brasileiro.

Esse poder protetivo do individuo, estar discorrido nas normas da Parte Especial do Direito Penal, em especifico no rol dos crimes contra a pessoa, que inclui condutas tipificadas, como; homicídio, induzimento ou auxilio a suicídio, infanticídio, aborto, lesão corporal, perigo de contagio venéreo, perigo de contágio de moléstia grave e etc.


2. CONCEITO DE LESÃO CORPORAL


O Código Criminal do Império punia as perturbações a integridade física, atribuindo ao crime o nomen iuris “ferimentos e outras ofensas físicas”. O Código republicano de 1890, por sua vez, definiu ao crime o nomen iuris lesões corporais (art. 303) e punia as ofensas físicas com ou sem derramamento de sangue, incluindo no tipo penal a dor.
Com o atual Código Penal a definição do crime de lesão corporal perde a dor em seu tipo penal, criminalizando a “ofensa a integridade corporal ou à saúde de outrem”, redação prevista no art. 129 do Código Penal brasileiro. Segundo Damásio de Jesus (1999, p. 155), “o estatuto penal protege nessa incriminação a integridade física e fisiopsíquica da pessoa humana”.

Porém a definição de Lesão Corporal não deve se exaurir no dispositivo de lei, mas buscar fundamentação na doutrina jurídica, com posições hermenêuticas e analise critica - social. Evidenciando a insuficiência do texto legal em tal função de contextualização da definição de lesão corporal.

Portanto,
Lesão corporal consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, sem animus necandi, a integridade física ou a saúde de outrem. Ela abrange qualquer ofensa a normalidade funcional do organismo humano, tanto do ponto de vista anatômico quanto do fisiológico ou psíquico. Na verdade, é impossível uma perturbação mental sem um dano à saúde, ou um dano à saúde sem uma ofensa corpórea. O objeto da proteção legal é a integridade física e a saúde do ser humano. (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, p.158, 2008)

Levando em conta todos os elementos que constitui esse tipo penal, pondera-se que lesão corporal é a ofensa de natureza dolosa, culposa ou preterdolosa, sem o consentimento do ofendido (direito disponível), que cause dano relevante a integridade física e a saúde de outrem.

2.1 A disponibilidade do bem jurídico tutelado

O bem jurídico penalmente tutelado é a integridade corporal e a saúde humana, isto é, a incolumidade do individuo. Trata-se de um bem jurídico individual, portanto é um interesse privado que, teoricamente, se sobrepõem ao interesse do Estado. Assim, é admissível a disponibilidade da integridade física.

A ofensa física ou psíquica, pode ser admitida com o livre consentimento do ofendido, levando-se em consideração que trata-se de um bem jurídico individual, ou seja, convém ao individuo considerá-lo ofensivo . Afastando a ilicitude e a antijuricidade. Como ocorre nos transplantes de órgãos.

Portanto,
Simpatizando com a disponibilidade da integridade corporal, sustentava que o consentimento do ofendido, validamente obtido, exclui a ilicitude e que é com base nesse consentimento que se afasta a antijuricidade da extração de órgãos de pessoas vivas para transplantes. (HELENO CLAUDIO FRAGOSO, 1995, p.92)


3. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A ADEQUAÇÃO TÍPICA DA LESÃO CORPORAL


O crime de lesão corporal apresenta três figuras típicas: fundamental, privilegiada e qualificada. Incluindo no rol de figuras típicas um caso de perdão judicial.
Consistindo a conduta típica da lesão corporal em ofender, agredir, lesar e ferir a integridade corporal ou a saúde do individuo. O agredido ou lesado pode sofrer alterações em suas funções anatômicas, fisiológicas ou psíquicas. Não compreendendo para o tipo penal a lesão corporal leve que não enseje em maiores conseqüências para o ofendido, seja ela de ordem física ou psíquica, levando-se em conta o principio da insignificância. Já que a simples perturbação de animo, ou mesmo, o simples dano moral não vem a ser caracterizado pelo injusto típico como lesão corporal. Muito menos uma simples dor física ou crise nervosa, sem que cause danos a funcionalidade ou anatomia do ofendido, pode ser caracterizado como lesão corporal.

Portanto, a lesão corporal compreende a danos de natureza significativa a integridade física ou a saúde de outrem, sem animus necandi. Tendo como elemento objetivo da adequação típica a ofensa a saúde corporal ou psíquica da pessoa.

No aspecto subjetivo-normativo o crime de lesão corporal pode ser dolosa, culposa ou preterdolosa. Assim como pode ser o resultado de uma ação ou omissão.

A subjetividade do dolo, segundo Cezar Roberto Bitencourt (2008, p.162) “consiste na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou saúde de outrem”. Presente no art. 129, caput, do Código Penal. Já a subjetividade da culpa é definida nos §§ 6º e 7º do Código Penal. Ambos assim definidos:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
(...)
§ 6º Se a lesão é culposa:
Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano.
§ 7º Aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º.


Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 162),
O elemento subjetivo do crime de lesões corporais é representado pelo dolo, que consiste na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou a saúde de outrem. É insuficiente que a ação causal seja voluntaria, pois no próprio crime culposo, de regra, ação também é voluntaria. É necessário, com efeito, o animus laedendi.

O Código Penal ao tipificar a lesão corporal seguida de morte, admitiu a figura subjetiva do crime preterdoloso, qualificado no art. 129, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal. Esclarece Damásio de Jesus (1999, p. 156), que “nesses casos, o delito fundamental é punido a titulo de dolo, enquanto o resultado do qualificador, a título de culpa.”

Portanto,
Indiscutivelmente, o dolo pode ser direto ou eventual: particularmente, esta modalidade de infração penal é uma das poucas que admitem a possibilidade da terceira modalidade, qual seja, o preterdolo, em determinadas figuras qualificadas: a ofensa a integridade física é punida a titulo de dolo, e o resultado qualificador, a titulo de culpa. (CEZAR ROBERTO BITENCOURT, 2008, p. 163)


4. A AUTOLESÃO E O TRATAMENTO DADO PELO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO


O Código Penal não admite como crime o individuo que ofende a própria integridade física. A autolesão não tipifica o crime de lesão corporal. Em casos excepcionais poderá constituir uma elementar de uma figura de crime.

Sobre a autolesão leciona-se,
O CP não pune a autolesão. Não constitui delito o fato de o sujeito ofender a própria integridade corporal ou a saúde. Excepcionalmente, a conduta poderá constituir outra infração penal. Se o sujeito lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro, responde por subtipo de estelionato, denominado fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro (CP, art. 171, § 2º, V). Neste caso, o estatuto penal não está punindo a autolesão como delito autônomo, mas sim como meio de execução de crime de estelionato, em que o objeto jurídico não é a incolumidade física da pessoa, mas o patrimônio. Se o sujeito cria ou simula incapacidade física, que o inabilite para o serviço militar, responde pelo crime do art. 184 do CPM (criação ou simulação de incapacidade física). O código não está punindo a autolesão, mas aplicando sanção ao sujeito que se vale desse meio de execução para praticar crime contra o serviço e o dever militar. (DAMÁSIO DE JESUS, 1999, p. 154)


5. A COMPETENCIA PARA CONHECER E JULGAR OS CRIMES DE LESOES CORPORAIS E A NATUREZA JURIDICA DA AÇÃO PENAL


Em razão do art. 88 da Lei n°. 9.099/95, os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, são de ação penal publica condicionada. Sendo o crime de lesões corporais com pena fixada entre três meses e três anos de detenção, exclui a competência dos Juizados Especiais Criminais para julgar o injusto penal.


BIBLIOGRAFIA
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal (parte especial), São Paulo: Ed. Saraiva, 2008.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal (parte geral), São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1995.
JESUS, Damásio de. Direito Penal (parte especial), São Paulo: Ed. Saraiva, 1999.


Lucas Cano